25 julho 2005

Como eu gostava de escrever assim

A incrível leveza do ser

Lisboa não é uma cidade cosmopolita (e também não o é no sentido cultural, note-se) porque os seus habitantes são todos iguais ou quase todos iguais. A manta de retalhos tem poucas cores e menos variedade: além dos africanos, alguns brasileiros e imigrantes do antigo império soviético, os quais, curiosamente, ficam logo iguais aos portugueses no modo de vestir-se e comportar-se, visto que a pressão social de uma sociedade fechada como a nossa não tolera a excentricidade nem a diferença. (…) Japoneses de cabelo roxo, góticos alemães, senhoras distintas de cabelo louro cinza, cavalheiros de chapéu de chuva e gabardina em Agosto, caribenhos de pele de bronze e cabelo rasta, nórdicos desmaiados com borbulhas, nórdicas de cartaz turístico, americanos desastrados, loiros portadores de sandálias perenes (com peúga), argentinos de tez malte e olho traiçoeiro, brasileiros de amarelo e verde, chineses incompreensíveis, ingleses irrepreensíveis, raparigas de saia curta, rapazes esguedelhados, crianças d olhos pretos, crianças, de olhos azuis, crianças de todas as cores e feitios, e adultos de todos os feitios e cores, foi esta a variedade que vi em Londres e que vejo ainda em qualquer grande capital, deslizando pelos lugares como modelos numa passadeira utópica onde coubessem todos os formatos da humanidade. Em Portugal, e em Lisboa, existe a tolerância dos formatos, mas não a variedade nem a tolerância dos comportamentos. (…) A beleza também nos irrita, e não é pouco. A beleza é um valor espiritual, quer queiramos quer não, mas, ninguém está disposto a admitir tal verdade, porque beleza tem de ser aliada da estupidez, da ambição, da tontice e, afinal de contas, um sinal de menoridade, um sinal de aleijados e, sobretudo, aleijadas. Uma mulher bonita incomoda muita gente, como os elefantes, o que até é compreensível, porque, de um modo geral, se excluirmos as novas gerações de adolescentes bem nutridos, os portugueses, e as portuguesas, não se caracterizam pela grande beleza. Deus fez os italianos e depois guardou o molde bem guardado. A beleza e a inteligência são o supino irritante da pele mesquinha, tenhamos cuidado. Poucas cidades no mundo são tão obcecadas com o sexo como Berlim. Vêem-se vestidos decotados, saltos de dominatrix, decotes arrevesados e trapos com pedaços de metal incorporados. Vêem-se lantejoulas e missangas, tecidos transparentes e joalharia espampanante, saltos-agulha e botas de biqueira, vernizes e indiscrição a rodos. (…) Foi em Berlim que a semente da democracia e dos princípios libertadores dos americanos gerou a sua planta mais vigorosa, uma sociedade culta e tolerante, educada nos valores da universalidade e do cosmopolitismo, sabendo que a negação do Outro gera o gulag e o campo de concentração, o extermínio e a separação, o Muro e a vergonha histórica. Um dia, todas as cidades serão feitas desta maneira. Um dia, Lisboa sairá da sua soturnidade melancólica e descobrirá que existe uma vida para além do nosso preconceito.

Clara Ferreira Alves
Pluma Caprichosa, in Expresso.

(Mais não digo, porque está tudo dito!)

7 comentários:

Raquel Vasconcelos disse...

Fico triste, adoro Lisboa...
Acho que o que se passa é que Lisboa envelheceu.

Não é Lisboa que é assim. É Portugal inteiro! Somos um país antiquado. De mentalidades retrógradas. A 1km de qq coisa estamos no nada... no vazio do desenvolvimento.

E depois... tudo que seja diferente por aqui, implica investimento. E para isso compra-se antes uma bomba de 4 rodas e vai-se à mercearia da esquina comprar o mesmo Haze de há 20 anos atrás...


Mas Lisboa... é a minha Lisboa.

Raquel Vasconcelos disse...

Bjinho :)

AnaBond disse...

eu adoro lisboa, adoro portugal... mas infelizmente concordo.
há pouca tolerância aqui... e embora não concorde que as portuguesas não sejam bonitas, concordo que a maior parte das vezes temos de nos esconder.

há muita mesquinhez, há muita inveja... há muita dor de cotovelo e uma mulher bonita que dê nas vistas é meio caminho andado para ser troçada. mas uma mulher menos bonita também o é... uma mulher mais gorda, idem. oh... e uma mulher com 4 filhos? é logo apelidada de louca (e tu deves saber).

fui em tempos a toronto, visitar familiares. foi a minha primeira viagem. era para lá ficar, mas este cantinho acabou por me reconsquistar. e fiquei supreendida porque ali todos andavam como queriam e ninguém olhava duas vezes.

dizem que é um país de brandos costumes... não concordo. é tudo menos brando. gostam de apontar o dedo, desde que sejam diferentes... melhores ou piores, não interessam.
adoram olhar para o umbigo, mas não deixam espaço para haver a tal diferença que tanto gostam de dizer que são a favor.

é triste e não sei se isto um dia poderá ser alterado. gostamos de apregoar que somos tolerantes, mas têm de estar segundo os nossos 'standards'...

e é neste mundo que os nossos filhos vão nascer.... :|

Raquel Vasconcelos disse...

Só para um olá pequenino :*

Anónimo disse...

O envelhecimento de Lisboa é patente para quem como eu vive na av. de Roma. Se durante a semana ainda vemos alguma "gente novo" (menos de 50 anos), aos fins de semana vemos quem de facto ainda vive em Lisboa: reformandos com mais de 60 anos.

Lisboa, merçê de uma especulação imobiliária descontrolada e desregrada, foi abandonada pelos seus habitantes que fugiram para os subúrbios. O repovoamento de Lisboa devia ser a prioridade de qualquer novo presidente da Câmara. E não tem sido.

Misty disse...

Boas!

A Anabond disse dizem que é um país de brandos costumes... não concordo. - também eu. Diria mais: Portugal é um país de brandas hipocrisias, isso sim.

Beijinho!

Tão só, um Pai disse...

Berlim tem sítios engraçados ... mas não achei nada de especial, nem na monumentalidade. Detestei as obras e a "reconstrução".

Gostei muito mais de Hamburgo o único sítio em que vi os alemães estacionam "à portuguesa", em cima de tudo o que é passeio, e independentemente do luxo do carro. Enfim, miscenização de culturas.